Através do texto de André Lemos, “O Fenômeno Tecnológico Através da História”, temos um resgate sobre as mudanças que a técnica sofreu ao longo do tempo, tanto em suas aplicações como em suas definições. Vemos a evolução dos sistemas técnicos através de inovações e invenções de ferramentas, máquinas e instrumentos.
Divido em sete tópicos, os quais se referem aos períodos da humanidade, o texto inicia com as origens pré-históricas dos sistemas técnicos. O autor afirma que a origem do homem coincide com a origem da técnica. Os primeiros sistemas instauraram-se a partir de dois motivos: a potência dos Deuses e a imitação da natureza, ou seja, neste momento, a técnica é vista como atividade de origem divina e é tida como arte. Como cita o autor, proposto por Simondon, a técnica separa-se da religião, mas não perde o seu caráter sagrado. Assim, o sagrado e o profano se estabelecem. O sagrado como sendo uma qualidade do mundo (fundo) e o profano como o mundo concreto, onde o homem pode agir através de seus instrumentos. A técnica, na pré-história é associada ao profano, mas também à potência divina, portanto, temos um paradoxo sagrado/profano que envolve a técnica, o qual podemos ver até os dias de hoje. Ainda citando Simondon, André Lemos afirma que o modelo da técnica desta época é o da fase mágica, que caracteriza a técnica como de sacralização. A vida social era fechada numa rede de técnicas mágicas, e não existia um universo técnico independente da vida social. O objeto técnico será, portanto, depositário de um medo e de uma fascinação que perseguem a sociedade até os dias de hoje. A técnica sagrada pode ser traduzida como o desejo do homem primitivo em obter respostas de fundo.
Mas é a partir da revolução do Neolítico que surgiram as primeiras civilizações e o primeiro sistema técnico desenvolvido, pois é com as primeiras civilizações que surgem sociedades estruturadas a partir de um poder hierárquico, surge a escrita, o desenvolvimento dos transportes, da metalurgia e da arte da guerra. Essa conjuntura vai formar o primeiro sistema técnico coerente da humanidade. Contudo, o autor afirma que o Egito conheceu um verdadeiro sistema técnico sem, necessariamente, ser inovador. Historiadores observam que por ser uma civilização fechada e muito bem estruturada, os egípcios tinham suas inovações tecnológicas inibidas. Outra civilização citada é a grega, sobre a qual é dito que, no seu sistema técnico, o progresso não é global, não há grandes inovações em relação à civilização egípcia e técnicas novas e artesanais estão lado a lado. A evolução de uma para outra é imperceptível. Segundo o historiador Gille, oo bloqueio grego se dá por três razões: ao associar pela primeira vez técnica à ciência, os limites da ciência grega poderiam limitar o nível do desenvolvimento técnico; dispondo de escravos, os desenvolvimentos técnicos não seriam fundamentais; o desprezo pela filosofia de Platão e Aristóteles em relação à tekhné pode, também, ter limite o progresso. Mas, é na civilização helênica que nasce a preocupação em achar explicações racionais em relação à ciência e à técnica. Em função deste momento, a técnica começa a ser dessacralizada, ou seja, é desligada totalmente da religião. A técnica passa de um estado de mera intuição a um novo estado de investigação, sendo investida pelo discurso filosófico, assim uma ciência grega nasce com o desenvolvimento da matemática, da geometria e da aritmética. Através dos sofistas surgem os manuais-receitas, os quais são normas práticas sobre a moral, a política, a economia e a religião. No império Romano, os agricultores vão, com a conquista de novos territórios, conhecer novas técnicas e adquirir conhecimentos dos povos dominados. Assim, os romanos assimilam novas técnicas e as expandem por todo o império, sem Sr necessariamente inovadores. A grande invenção dos romanos situa-se no campo da energia e da administração, incluindo o direito, a arquitetura e a urbanização. Desenvolveu-se, também, o transporte naval, máquinas hidráulicas e ferramentas de guerra.
A Idade Média, mesmo sendo conhecida como a época das trevas, foi também um período de intensa atividade técnica. Ao instalar-se o feudalismo, as Cruzadas abrem as portas do Oriente e o comércio de técnicas se estabelece. A técnica é, nesse período, elemento de reflexão, onde a ciência começa a sentir a necessidade da técnica e vice-versa. O empirismo passa a ter seu lugar no desenvolvimento de uma tecnologia ou, ao menos, aparece como uma preocupação quanto à reflexão ordenada e sistemática da técnica. Neste período as grandes inovações estão também na energia, porém, são as energias eólicas e hidráulicas que se destacam, com o estabelecimento do moinho a vento. O aperfeiçoamento na utilização do metal permite o começo de uma atividade industrial, passando a indústria têxtil por algum melhoramento já no século seguinte. Todos os elementos que preparam a modernidade estão colocados: um sistema técnico baseado no empirismo e na quantificação matemática, a divisão do tempo (com a invenção do relógio), o espírito conquistador da natureza, onde a técnica torna-se laica e secularizada. “a técnica não remete mais à natureza (...) mas ao próprio ser humano. A técnica tende a se antropomorfizar ou, mais exatamente, a se antropocentrar.”.
O Renascimento é tido como a era do maquinismo, já que nele surge o sistema biela-manivela, que vai proporcionar uma revolução maquínica cujo desempenho estava limitada ao uso da madeira. Com o maquinismo, este período será um grande demandador de energia, fazendo do século XV o terreno de uma primeira revolução formada pela tríade bússola, pólvora e imprensa. Aqui, radicaliza-se o fascínio pela descoberta científica, há um giro epistemológico que prepara o imaginário social para a modernidade. A razão passa a ser o centro do universo inteligível e, a técnica, busca a o meio legítimo e ideal para conquistar e “dominar a natureza”. No Renascimento, a substituição de uma estrutura onto-teológica (explicações de ordem divina) por uma estrutura onto-antropológica (razão científica) está em jogo, atingindo seu auge com a Revolução Industrial.
Podemos chamar a Revolução Industrial de uma mudança na gestão social do mundo. Em meados do séc. XVIII surge esse fonômeno que trás a invenção da máquina a vapor, transforma o setor têxtil e passa a usar o ferro e o carvão com mais frequência. Este período ficou marcado maioritariamente por suas inovações, já que muitas técnicas existentes foram sendo aprimoradas.
É nesta época que se pensa a técnica junto da economia politica e da vida social, como se verifica nas idéias Marxistas sobre o industrialismo e trabalho. O mito da modernidade reafirma essa posição, pois observa-se pela primeira vez a questão da técnica relacionada com a cultura e a história.
Seguindo esta linha e avançando no tempo, na segunda metade do séc. XIX surge um novo sistema técnico com base na eletricidade, no petróleo, no motor a explosão e nas indústrias de síntese química. O crescimento demográfico, a organização industrial e bancária, a produção de energia em larga escala e o desenvolvimento das redes de transporte são fatores que acompanharam todo este desenvolvimento. Megamáquina é o conceito proposto para representar a organização que vai se instaurando com os novos avanços tecnológicos. A ciência e a técnica passam a ter valores como a objetividade, racionalidade instrumental, universalismo e neutralidade.
Crenças, lendas urbanas, mitos e simbolismos passam a fazer parte da tradição e a tecnologia moderna, torna-se o instrumento que permite transformar e regenar o mundo.
Com a afirmação plena das novas tecnologias surge o mito da transparência, onde a comunicação se torna instantânea mesmo separada por oceanos.
Em suma, a partir do momento em que a mente e o corpo são separados, a natureza é dessacralizada e o Homem substitui Deus no centro do mundo, grandes mudanças iniciam-se. A razão passa a ser independente e é a norma que dirige o progresso. Esta fase é uma preparação para o futuro, misturada de sonhos e convicções baseadas nas novas técnicas científicas, e na crescente urbanização.
A fase de pós-modernidade, substitui o sonho por uma onda de poluição, desigualdades socio-econômicas e políticas, violência, etc.
As distâncias, muitas vezes inter-continentais não são mais uma barreira à comunicação, que passa a ser em tempo real. Surge um mundo virtual onde muitas vezes possuímos uma espécie de controlo sobre o espaço e o tempo. Chegamos ao pós-modernismo. A fase da ubiquidade, fase da cibercultura.
Nathália Kern e Farha Abdula