quinta-feira, 2 de julho de 2009

A cultura do "fan"

Muito já foi falado sobre a web 2.0, e a interatividade que está subentendida nesse conceito. Em uma das entradas anteriores deste blog mesmo, postada pelas colegas Daniela e Laura, o assunto foi abordado, dando ênfase à musica eletrônica. Também, as mesmas colegas, citaram a existência de diversos subgrupos dentro do Cyberpunk, entre eles os otakus.

O termo otaku é japonês, e significa, basicamente, "fanático". Atualmente, essa palavra é utilizada, ao redor do mundo, e inclusive no Japão, para designar as pessoas que têm interesse por animações japonesas - os animês, ou animes -, mas um "interesse" extremo, quase que obsessivo. Esses fãs não se contentam em apenas assistir; eles criam novos materiais relacionados, e ainda modificam e redistribuem todo o material original ao qual têm acesso. É uma nova "indústria" de cultura, não oficial, não autorizada, mas amplamente difundida.

"Nova" talvez não seja um adjetivo muito correto. Os Fansubs, por exemplo, surgiram na década de 1960. O termo vem do inglês (fan + subtitled), e faziam referência às traduções, feitas pelos cineclubs, de filmes estrangeiros não lançados no circuito comercial. Nas décadas de 1980 e 1990, com a invasão das animações japonesas em países ocidentais, o termo passou a ser utilizado quase que exclusivamente para as traduções feitas por otakus. Antes de a internet ser tão popular e acessível, os fansubers, como se entitulam, modificavam o material original e o enviavam pelo correio, em fitas VHS.

Com a Web 2.0, os fansubs tornaram-se maiores e mais sofisticados. Hoje em dia, a palavra fansub faz referência a sites que disponibilizam para download episódios traduzidos de animes, de séries americanas, filmes e até mesmo músicas. Muitos mantém blogues, que divulgam informações sobre os materiais compartilhados. Além do mais, os fansubs tornaram-se uma rede; por exemplo, assim que um episódio de um anime é exibido no Japão, um fansuber japonês o digitaliza e disponibiliza na web, imediatamente, um fansuber americano o traduz e insere, nesse vídeo original, a legenda em inglês, também disponibilizando na web, e, apartir daí, um fansuber brasileiro traduz a legenda para o português, e a insere no vídeo original japonês.

Se os fansubs surgiram na década de 1960, as fanfictions são ainda mais antigas. O termo designa estórias (ou "histórias", como queiram) fictícias criadas por fãs de determinada série, livro, filme, etc, baseando-se nos personagens, cenários e enredos da mesma. Embora a maior difusão das fanfics tenha ocorrido nas décadas de 1970 e 1980, apartir das estórias escritas por fãs de StarTrek e StarWars, o primeiro registro do qual se tem notícia ocorreu, se nao me engano, no início do século XX, quando um leitor, não satisfeito, escreveu um final não oficial e alternativo para "Alice no País das Maravilhas". Hoje em dia, há fanfictions dos mais diversos assuntos, desde algumas baseadas nas obras de Shakespeare, até enredos cujos protagonistas são mebros de bandas pop, passando por livros como "Harry Potter", "Twilight" e "O Senhor dos anéis", jogos como "The Legend of Zelda" e "Final Fantasy" e animes como "Inu Yasha", "Death Note" e "Pokémon".

O maior e mais conhecido site de arquivamento de fanfiction, o FanFiction.Net (também conhecido com FFNet), criado em 1998, tem hoje, segunda dados da Wikipédia norte-americana, cerca de 1,3 milhões de usuários cadastrados no mundo inteiro, e hospeda estórias em 36 idiomas, de 18 categorias, e uma infinidade de subcategorias. Apesar de proibida por alguns autores, como Anne Rice, criadora de "Entrevista com o Vampiro" e "Crônicas vampíricas", a prática das fanfics é vista por outros como uma oportunidade de marketing gratuíto. Muitas empresas, como a 20th Century Fox, estimulam a produção das histórias pelos fãs. Correm boatos, entre os usuários, que o próprio FFNet, na época de sua criação, recebeu incentivo financeiro da Fox. No entanto, nada nunca ficou provado. Os fatos são que, a princípio, o site se destinava apenas a arquivar fanfics de "Buffy - The vampire slayer", e que a Fox, até hoje, mantém banners de promoção de seriados dentro do site.

Antes da difusão da internet, as fanfictions eram publicadas dentro de revistas editadas por fãs, chamadas fanzines. As fanzines são feitas exatamente para a publicação de material criado por fãs, como desenhos, estórias paralelas e críticas. Muitas fanzines influenciaram no desenrolar de enredos das estórias originais, já que expressavam a revolta ou a aceitação dos fãs diante de alguma modificação feita pelo(s) autor(es) da estória em questão.

Voltando-se aos animes, dentro da cultura de "fan", existem os Doujinshis, que nada mais são do que a mescla de fanart e fanfiction, dentro da cultura otaku. Fanart é o termo utilizado para designar os desenhos feitos por fãs, e baseados na "saga" admirada. O Doujinshi nada mais é do que uma história em quadrinhos japonesa (mangá) criada por um fã, e baseada em outro mangá pré-existente. Os Doujinshis eram, a princípio, editados e publicados em pequenas tiragens, distribuídas entre amigos e em eventos relacionados a animes, mas hoje, são mais divulgados na internet, através de sites de hospedagem de imagens, blogues e fansubs.

A cultura do fan, é um típico fruto da web 2.0 e do Cyberpunk, onde as pessoas interagem umas com as outras e com a máquina, apartir de um interesse comum. No Brasil, no momento, tramita o projeto do Senador Eduardo Azeredo (SUBSTITUTIVO ao PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003), que prevê prisão de 2 a 4 anos para quem "Obter dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização do legítimo titular, quando exigida", que passa para 5 anos, caso esse "dado ou informação" seja repassado a terceiros. Embora isso não diga respeito a fanfictions, doujinshis, fanarts ou fanzines, torna crime a utilização dos fansubs.

Segundo o senador que redigiu o projeto, ele visa proteger os direitos de autoria, e combater práticas de pedofilia na internet. Mas, não seria isso um retrocesso? Proibir que as pessoas compartilhem arquivos, e defender a hegemonia das empresas, em detrimento da livre circulação de informação na web. Pior ainda, na minha opinião, é a pena de prisão. Com a situação dos presídios no Brasil, seria possível prender por de 2 a 4 anos todo o cidadão que fizer download de um arquivo, e por 5 anos todo o cidadão que disponibilizar esse arquivo?