Será contraditório constituir novas agregações, novos grupos primários, microgrupos, e ao mesmo tempo revivificar uma só sociedade? Esse é o conceito de Thiases, proposto por Maffesoli ao falar de um modelo tribal “religioso”. Na verdade essa contradição parece ter sido a “grande sacada” do cristianismo ao se originar, justamente, em pequenos grupos: “Nada como as seitas pouco numerosas para conseguir fundar qualquer coisa”. A Proximidade de seus membros cria laços profundos (sinergia das convicções/ eficácia simbólica). O autor ainda faz uma distinção entre tipo-igreja e tipo-seita. Cabe ressaltar que a seita é, antes de tudo, uma comunidade local que se vê assim, e que não tem necessidade de uma organização institucional visível. Michel acredita que, seguindo essa mesma lógica, os grupos que constituem as massas contemporâneas não têm ideal, já que não têm visão daquilo que, em termos absolutos, deve ser uma sociedade.
Assim, cada grupo é, pra si mesmo, seu próprio absoluto. A valorização do grupo, contudo, é uma desconstrução do individualismo, garantindo a tonicidade daquela sociedade. Daí vem a sua perspectiva “concêntrica” – os diferentes círculos que a compõem se ajustam uns aos outros, e não valem senão enquanto ligados. Ou seja, o que importa são suas relações. Com a modernidade, essas relações são multiplicadas cada vez mais - a lógica das redes está se impondo nas massas contemporâneas.
Mas o que mantém um grupo unido? Algo que os membros partilham apenas entre si. Como um segredo, estritamente compartilhado. Essa é a lei do segredo: “dos assuntos de família, não se fala”. Estaríamos agora entrando em outra contradição? O segredo, o ‘esconder’, é vetor de agregação assim como a aparência, o ‘mostrar’? É esse paradoxo que justifica a importância da teatralidade: “uma ostentação manifesta pode ser o meio mais seguro de não ser descoberto.” A agressividade de alguns looks ilustra a vida secreta e densa que essas pessoas vivem. É a forma de “mostrar” o quanto eles têm de segredos. São misteriosos, diferentes para os outros, mas, entre si, podem partilhar qualquer coisa. É assim que o grupo é fortalecido, levando à autoconservação (“egoísmo de grupo”). Ou seja: partilhar um hábito, uma ideologia, um ideal, determina o estar-junto, e permite que este seja uma proteção contra a imposição (colletive privacy). Michel fala até de um “efeito equalizador da pratica coletiva do proibido”, já que a confiança se estabelece entre os membros do grupo. Criar um novo segredo, romper com o que é comumente admitido é acentuar a agregação social.
Podemos ver a pura criação de modos de viver, sendo a constituição em rede de microgrupos contemporâneos a “expressão mais acabada da criatividade das massas.” Novamente, a lógica tribal não pode existir senão inserida na massa. “Modos de vida estranhos uns aos outros podem engendrar, em pontilhado, uma forma de viver em comum.”
Surgem algumas questões....
O indivíduo compartilha da identidade, das opiniões, dos hábitos de um determinado grupo ao qual pertence. Ou seja, segue um determinado perfil. Será que a valorização do inédito, do diferente, da originalidade e da personalidade vem ‘”suprir” essa “falta” de identidade individual? Ou será que o indivíduo não tem essa necessidade?
Segundo Michel, tribos são formadas por simpatias quanto a ideologias, costumes, gostos, etc. E quanto à apatia? A diversidade de grupos dá margem ao preconceito. Não seria essa uma interferência negativa na harmonia do todo, contradizendo o autor quanto à “tonicidade” da sociedade a partir dos grupos?
Em um grupo, entre os “segredos” partilhados, pode existir valores diferentes de “moral”, por exemplo: “sempre existe uma certa moral dentro da imoralidade.. uma certa moral que o clã forjou somente para si mesmo” e que tem por corolário a indiferença diante da moralidade em geral. Isso também poderia contradizer a idéia de que a formação de grupos dá maior tonicidade à sociedade e assinalar para uma fragilidade social?- É sabido que comunidades como favelas, por exemplo, têm suas próprias leis, normas de conduta, etc. De que forma os “segredos” compartilhados acabam interferindo numa ordem maior, como a legislação de um país? Estariam esses grupos fora da análise do autor, na medida em que seus membros não estão lá por escolha (socialidade eletiva)?
Como pensaríamos a interferência na sociedade de tribos que fogem à escolha de seus membros?
Nathália dos Santos Silva e Vanessa Gonçalves